quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Reflexões de Fidel

A lição do Haiti

• HÁ dois dias, quase às 18h, hora de Cuba, já de noite no Haiti devido a sua posição geográfica, as televisoras começaram a divulgar notícias de que um violento terremoto, de uma intensidade 7,3 na escala de Ritcher, tinha devastado Porto Príncipe. O fenômeno sísmico originou-se numa falha tectônica situada no mar, localizada apenas a 15 quilômetros da capital haitiana, uma cidade onde 80% da população haitiana mora em casas frágeis construídas de adobe e barro.

As notícias continuaram sendo difundidas quase ininterruptamente durante horas. Não havia imagens, mas afirmava-se que muitos prédios públicos, hospitais, escolas e instalações de construção mais sólida tinham colapsado. Eu li que um terremoto de uma intensidade 7,3 equivale à energia liberada por uma explosão igual a 400 mil toneladas de TNT.

Descrições trágicas eram veiculadas. Os feridos nas ruas pediam aos gritos ajuda médica, rodeados de ruínas com famílias sepultadas. No entanto, ninguém conseguiu transmitir nenhuma imagem durante muitas horas.

A notícia surpreendeu todos nós. Muitos escutávamos com freqüência informações sobre furacões e grandes cheias no Haiti, mas ignorávamos que o vizinho país corria o risco de sofrer um grande terremoto. Nesta ocasião, veio à baila que, há 200 anos, essa mesma cidade tinha sofrido um grande terremoto, quando talvez a cidade tinha alguns poucos milhares de habitantes.

Às 24h ainda não se conhecia uma cifra aproximada de vítimas. Altos chefes das Nações Unidas e vários chefes de governo falavam sobre os comoventes acontecimentos e anunciavam o envio de brigadas de primeiros-socorros. Como ali estão desdobradas tropas da MINUSTAH, forças das Nações Unidas de diversos países, alguns ministros de defesa falavam de possíveis baixas entre o seu pessoal.

Foi verdadeiramente na manhã de ontem, quarta-feira, quando começaram a chegar as tristes notícias sobre as consideráveis perdas humanas na população e, inclusive, instituições como as Nações Unidas mencionavam que algumas de suas edificações naquele país tinham colapsado, um termo que não diz nada de per si ou que poderia significar muito.

Durante horas continuaram chegando ininterruptamente notícias cada vez mais traumáticas sobre a situação nesse país irmão. Eram discutidas as cifras das vítimas mortais que flutuam, segundo versões, entre 30 mil e 100 mil. As imagens são assustadoras; é evidente que o desastroso acontecimento teve ampla difusão mundial, e muitos governos, sinceramente comovidos, fazem esforços para cooperar conforme os seus recursos.

A tragédia abala sinceramente grande número de pessoas, especialmente as de índole natural. Mas, talvez, poucas se detêm em pensar por que o Haiti é um país tão pobre. Por que a sua população depende quase 50% das remessas familiares que são recebidas do exterior? Por que não se analisa também as realidades que conduzem à situação atual do Haiti e seus enormes sofrimentos?

O mais curioso desta história é que ninguém diz uma só palavra para lembrar que o Haiti foi o primeiro país onde 400 mil africanos escravizados e vítimas do tráfico dos europeus se revoltaram contra 30 mil donos brancos de plantações canavieiras e de café, fazendo a primeira grande revolução social em nosso hemisfério. Páginas de insuperável glória ali foram escritas. O mais eminente general de Napoleão foi derrotado. Haiti é um produto absoluto do colonialismo e do imperialismo, de mais de um século de emprego de seus recursos humanos nos trabalhos mais duros, das intervenções militares e do saque de suas riquezas.

Este esquecimento da história não seria tão grave como o fato real de que o Haiti é uma vergonha de nossa época, num mundo onde prevalece a exploração e o saque da imensa maioria dos habitantes do planeta.

Bilhões de pessoas na América Latina, África e Ásia sofrem carências similares, embora talvez em todas tenham uma proporção tão elevada como a do Haiti.

Situações como a que sofre esse país não deveriam existir em nenhum lugar da Terra, onde abundam dezenas de milhares de cidades e povoados em condições similares e, às vezes, piores, em virtude de uma ordem econômica e política internacional injusta imposta ao mundo. A população mundial não está ameaçada apenas por catástrofes naturais como a do Haiti, que é apenas uma prova fraca do que pode acontecer no planeta devido à mudança climática, que foi, na verdade, alvo de escárnio e engano em Copenhague.

É justo exprimir a todos os países e instituições que perderam alguns cidadãos ou membros por motivo da catástrofe natural no Haiti: não duvidamos que neste momento envidarão todos os esforços para salvarem vidas humanas e mitigarem a dor desse povo sofrido. Não podemos culpá-los do fenômeno natural que ali aconteceu, embora discordemos da política aplicada no Haiti.

Não posso deixar de exprimir a opinião de que é hora de encontrar soluções reais e verdadeiras para esse povo irmão.

No setor da saúde e noutros, Cuba, apesar de ser um país pobre e bloqueado, há anos vem cooperando com o povo haitiano. Ao redor de 400 médicos e especialistas da saúde cooperam gratuitamente com o povo haitiano. Os nossos médicos trabalham diariamente nas 227 das 237 comunidades do país. Por outro lado, não menos de 400 jovens haitianos formaram-se como médicos em nossa Pátria. Agora trabalharão com a brigada que foi ali ontem para salvar vidas nesta situação crítica. Portanto, podem se mobilizar sem muito esforço, até mil médicos e especialistas da saúde, que já estão ali quase todos dispostos a cooperarem com outro Estado qualquer que desejar salvar vidas haitianas e curar os feridos.

Outro número considerável de jovens haitianos estuda medicina em Cuba.

Também cooperamos com o povo haitiano em outras áreas que estão ao nosso alcance. No entanto, não haverá nenhuma outra forma de cooperação digna de ser qualificada dessa forma que a de lutar na esfera das ideias e da ação política para pôr fim à imensa tragédia que sofre um grande número de nações como o Haiti.

A chefa da nossa brigada médica informou: "A situação é difícil, mas já começamos a salvar vidas". Ela fê-lo ontem, através de uma breve mensagem umas horas depois de chegar ontem a Porto Príncipe com mais reforço médico.

Já na alta noite, comunicou que os médicos cubanos e os haitianos formados na ELAM estavam se espalhando pelo país. Tinham atendido em Porto Príncipe a mais de mil pacientes, conseguindo pôr urgentemente em funcionamento um hospital que não colapsou e empregando barracas onde for necessário. Preparavam-se para instalar rapidamente outros locais de pronto-socorro.

Sentimos sadio orgulho pela cooperação que, neste trágico momento, prestada pelos médicos cubanos e jovens médicos haitianos formados em Cuba aos seus irmãos do Haiti!

Fidel Castro Ruz

14 de janeiro de 2010

20h25

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