domingo, 1 de maio de 2011

Caro jornalista Eugênio Bucci, os fatos são terrivelmente teimosos

Por Max Altman


O professor de jornalismo Eugênio Bucci vive apregoando pelos quatro cantos a defesa de um jornalismo isento , com base na verdade , objetivo , não manipulado. E o que vemos em seu artigo “O fundamentalismo do Estado cubano ( Estado de S. Paulo, p. A2, 21 de abril ) que aborda o VI Congresso do Partido Comunista de Cuba recém realizado? Não há qualquer isenção , a verdade é agredida, a objetividade , esquecida, se enreda em fantasias tortuosas e a manipulação é grosseira . Convido o leitor a percorrer o Herald Tribune, o El Nuevo Herald, o Diario de las Americas, porta-vozes em Miami das organizações cubano-americanas contrarrevolucionárias, e não encontrará sequer algo parecido em termos de desonestidade . Enfim , não é um texto de mestre da Escola de Jornalismo da USP e sim um panfleto que retrata sua atual inclinação ideológica.

O professor Bucci decretou a morte física e política de Cuba : “A renovação anunciada no congresso dos comunistas cubanos é a antessala da morte . Física e política .” Não é o que pensa Catherine Ashton, Alta Representante de Política Exterior da União Europeia e vice-presidente da Comissão Europeia, a mesma que defende ardorosamente a participação dos países europeus na guerra civil da Líbia. A Europa Press informa que ela seguiu com interesse o Congresso e disse que a União Europeia celebra o anúncio de reformas econômicas feito pelo regime de Raúl Castro e considera que o anúncio do PCC “indica que há avanços significativos na frente econômica e apontam progressos remarcáveis também no plano político .”



Aí o professor resolve debochar da história e dos personagens da história : “Na década de 1950, Raul e Machado Ventura davam tiros em Sierra Maestra .” Raul , 27 anos , Ventura , 28. Além desses dois , também ‘davam tiros ’ Fidel, 32, Che, 30, Camilo, 27. Os tiros desses jovens guerrilheiros derrubaram o governo sanguinário , corrupto e repressor de Fulgêncio Batista e seu exército , apoiado por Washington e fizeram triunfar a Revolução Cubana. Esses heroicos combatentes foram os mesmos que há 50 anos na Playa Girón infligiram a primeira derrota do imperialismo na América. E a América Latina toda ficou um pouco mais livre e independente .



Diz mais o professor que “ em Cuba , o Estado geriátrico é o reflexo do envelhecimento do regime ”. Deve ou deveria ter visto por canais interativos , You Tube, Telesur e outros , o desfile militar e a marcha dos habitantes de Havana na manhã de 14 de abril . Somente alguém insensível ou movido pela intolerância e pelo ódio político não se sentiria tocado pelo entusiasmo de imensos contingentes juvenis e estudantis diante de uma multidão de centenas de milhares que tomou a gigantesca Praça da Revolução . Não marchavam para protestar nem para pedir a renúncia do governo e sim para apoiá-lo e alentá-lo e para dizer que seguem em frente na defesa do socialismo . O presidente Raul Castro expôs no Congresso , com a dureza necessária , algumas questões fulcrais: uma deles é modificar a mentalidade , quebrar esta barreira psicológica nos quadros do partido , como pré-condição para a efetivação das grandes mudanças propostas . A outra a incapacidade , que Raul chamou de vergonha , de ir criando quadros para substituir a geração histórica . O novo Comitê Central de 115 membros já registra uma renovação profunda em termos etários e uma proporcionalidade próxima da realidade demográfica no número de mulheres , negros e mestiços .

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O professor sustenta que “ Cuba só se converteu na tirania que é hoje – caquética , mas de pé – porque soube transformar a militância que a sustenta , dentro e fora da Ilha , numa seita religiosa ” Que seita religiosa é essa que durante três meses, de primeiro de dezembro de 2010 a 28 de fevereiro , decidiu discutir os “ dogmas ”, desencadeando um debate , no qual participaram 8 milhões 913 mil 838 pessoas , parte delas repetida - em mais de 163 mil reuniões efetuadas no seio de diferentes organizações , registrando-se uma una cifra superior a três milhões de intervenções . Foi um verdadeiro e amplo exercício democrático , o povo manifestou livremente suas opiniões , esclareceu dúvidas , propôs modificações, expressou suas insatisfações e discrepâncias e também sugeriu abordar a solução de outros problemas não contemplados no documento . Com isso mais de dois terços dos parágrafos foram emendados com contribuições partidas da base . Significativo contraste com o que se pratica nas democracias de livre mercado onde , despoticamente, sem consulta alguma aos afetados , se hipoteca o futuro de gerações com os planos de ajuste e “reformas” de modo a continuar enriquecendo uma elite insensível e ambiciosa .



O professor Bucci, do alto de sua cátedra , determina que “o capital deve conseguir seu visto de entrada nos domínios dos Castros, mas para lá vai mandar apenas o seu lado selvagem : desemprego, especulação , insegurança .” A resposta do governo da Revolução , reafirmada no VI Congresso , é que não deixará nenhum cubano desamparado e o sistema de atenção social se está reorganizando para assegurar a proteção diferenciada e racional daqueles que realmente necessitem. Em vez de subsidiar maciçamente produtos , como se faz agora , se passará progressivamente ao apoio de pessoas sem outro meio de sustento .



Como Bucci insiste na “ decrepitude do PCC” vale lembrar que o Birô Político reflete uma adequada proporção de chefes principais das Forças Armadas Revolucionárias. É natural que assim seja, pois o Exército Rebelde foi a alma da Revolução , transferindo posteriormente ao partido e ao exército a defesa das conquistas da revolução . Hoje uma das preocupações centrais ainda é a defesa da soberania , da independência de Cuba , e fazer ver a setores externos que Cuba está disposta a tudo para defender seus ideais . O Birô Político se compõe de 15 membros . Nele ingressaram 3 novos membros : Mercedes López Acea, 46, Primeira Secretária do Comitê Provincial do partido em Havana ; Marino Murillo Jorge, 51, vice-presidente do Conselho de Ministros e Chefe da Comissão Permanente do Governo para a Implementação e Desenvolvimento e Adel Yzquierdo Rodríguez, 63, quem recentemente foi nomeado Ministro de Economia e Planificação.



A média etária do Birô Político é de 67 anos e vale lembrar que a Conferência do partido em janeiro próximo , recebeu do Congresso a responsabilidade de abordar a fundo o problema da renovação. E se só de idade se tratar , poderia trazer à baila uma comparação. O Sr. José Serra teria hoje como presidente da República – se ganhasse as eleições , é claro – 69 anos , dois a mais que a média do colegiado acima .



Finalmente, o professor Bucci expressa que “ em Cuba não é todo o poder que emana do povo ” e que a Constituição cubana consagra “o princípio do expansionismo internacional da doutrina que professam e a identificação clara do inimigo , cuja figura maligna serve para justificar a supressão das liberdades internas.” Ele sabe, porque à época estava mais próximo dos ideais da Revolução Cubana, que há muito Havana abandonou a doutrina da “ exportação da revolução ”. Quanto ao inimigo , que Bucci em nenhum momento menciona com todas as letras como se não fosse real e que não tivesse desde os primórdios do triunfo da revolução estabelecido um bloqueio político , econômico e financeiro e que ao logo dos anos patrocinou invasões , sabotagens, assassinatos , provocações , ingerências . Ou o ilustre professor acha que nos Estados Unidos o poder emana do povo quando se trata de fazer guerra , invadir países , defender déspotas , e mesmo abonar o sistema financeiro com trilhões , e não do complexo militar-industrial - expressão cunhada pelo presidente Eisenhower – e seus representantes no parlamento . Bastaria recordar ao Sr. Bucci o conteúdo de um memorando secreto , desclassificado em 1991, do Subsecretário Adjunto de Estado para os assuntos interamericanos , Lester D. Mallory, de 6 de abril de 1960. Cito textualmente :: “A maioria dos cubanos apoia Castro [...] Não existe uma oposição política efetiva [...] O único meio possível para fazê-lo perder o apoio interno [ao governo ] é provocar o desengano e o desalento mediante a insatisfação econômica e a penúria [...] Há que se pôr em prática rapidamente todos os meios possíveis para debilitar a vida econômica [...] negando a Cuba dinheiro e fornecimento de bens com o fim de reduzir os salários nominais e reais , com o objetivo de provocar fome , desespero e o derrocamento do governo ”. Observem a data do memorando , 6 de abril de 1960, quase um ano antes da invasão de Playa Girón.



Desconfio que na raiz desse comportamento raivoso de Bucci e de outros articulistas recém embarcados no neoliberalismo e da grande mídia em geral está a determinação do governo de Cuba , manifestada nas palavras de Raul Castro, que assumiu sua última tarefa com a firme convicção e compromisso de honra de que o Primeiro Secretário do Comitê Central tem como missão principal e sentido de sua vida defender , preservar e prosseguir aperfeiçoando o socialismo e não permitir jamais o regresso do regime capitalista .



Max Altman,

22 de abril de 2011

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