Abaixo transcrevemos artigo que recebemos de Maria de Fátima Almeida e outros companheiros, leitores de nosso Blog. Trata-se de uma carta crítica endereçada ao jornal “O Globo”, em razão do editorial do dia 9 de maio de 2010, intitulado “Cerco à liberdade de expressão”, na seção “Opinião”.
Para consolidar-se como uma empresa poderosa, e conseguir divulgar certas opiniões em largos espaços, as “Organizações Globo” apoiaram entusiasticamente a ditadura militar brasileira nos anos de chumbo, demonstrando total descompromisso com as liberdades formais elementares.
Hoje em dia se proclamam democratas, embora não tolerem nenhuma situação onde o povo consiga exercer algum poder, daí a grande inquietude em relação a Cuba. O ponto chave é que apesar de todas as agressões norte-americanas, o povo cubano conquistou a liberdade substantiva para a realização de parte de suas aspirações, como por exemplo, freqüentar a escola com efetivo aprendizado, ter atendimento médico, alcançar uma vida mais longa, e sobretudo, escolher os próprios rumos da nação.
Antes da revolução de 1959, havia 40% de analfabetos, hoje a taxa de analfabetismo não chega a 1% e metade da população possui curso superior. Muito sangue revolucionário foi derramado para a superação da ignorância, pois diversos alfabetizadores da campanha de 1961 foram alvo dos contra-revolucionários, apoiados pelos EUA com dinheiro e armas. Mas a disposição de luta deste povo foi (e ainda é !) invejável. Talvez inspirados nas palavras de Martí: “ser culto é a única forma de ser livre”, heróis anônimos surgiram, continuando a obra dos anteriores.
Não foram poucos os que padeceram em atentados, como aquele que derrubou um avião cubano, com 73 pessoas a bordo, incluindo toda a equipe cubana de esgrima, no ano de 1976. Os principais mentores do ato terrorista, Orlando Bosch e Luiz Posada Carriles, exilaram-se nos Estados Unidos. Por outro lado, há mais de 10 anos, cinco cubanos: Gerardo, Ramón, René, Fernando e Antonio, estão detidos nos cárceres do império, por tentarem descobrir antecipadamente e evitar ataques terroristas contra o povo cubano, que ao longo dos últimos 50 anos tem sido planejados ou acobertados pela CIA e pelo governo americano.
É importante ressaltar a voracidade da tática de financiar o terrorismo para destruir governos que ousam fazer algo diferente do delineado pela super-potência. A revolução sandinista de 1979 não resistiu aos ataques sistemáticos à população civil, envolvendo clínicas de saúde, cooperativas agrícolas e assim por diante. Em 1990, a população votou no candidato indicado pelos EUA e o terrorismo cessou, e hoje a Nicarágua é o segundo país mais miserável da América Latina, perdendo apenas para o Haiti. Os Estados Unidos teriam sido condenados pelo conselho de segurança da ONU por terrorismo internacional, mas naturalmente vetaram a resolução que tratava do assunto.
Para fazer o cerco aos atentados terroristas, as leis cubanas impedem que pessoas físicas ou jurídicas recebam dinheiro do governo americano. Muitos dos que se declaram presos políticos estão detidos por enriquecimento ilícito, também não permitido nas leis do país caribenho. Cada nação tem as suas leis, no Brasil, por exemplo, a recepção de dinheiro estrangeiro para campanhas políticas também é coibida. O mais curioso é que a pressão da rede globo para que o presidente Lula deixe de apoiar o governo cubano acaba por esclarecer muito sobre a dinâmica de nossa pseudo-democracia. Qualquer posição de um presidente eleito que não seja de interesse dos grupos econômicos que controlam o país é severamente criticada pela grande imprensa, que paralelamente solapa ou distorce informações, dificultando o exercício da crítica. Acuados, muitos políticos desistem de abordar os problemas básicos como a reforma agrária, a educação básica e a saúde pública, cuja solução inevitavelmente implicaria prejuízos de interesses econômicos de grupos poderosos. E quando esses políticos não desistem? A resposta está no próprio editorial de “O Globo” do dia 9 de maio. Começando por citar o apoio de Chávez a Cuba, o editorial tráz à tona o papel das empresas privadas RCTV e a Globovision no golpe militar perpetrado em 2002 contra o presidente venezuelano eleito democraticamente. A atuação das redes televisivas pode ser verificada no documentário: “A revolução não será televisionada” (está no Youtube!), no qual se esclarece também o papel fundamental do povo venezuelano na reversão do golpe. De qualquer forma, o tratamento do assunto evidencia que nos últimos 46 anos “O Globo” não mudou nem de opinião, nem de atitude.
Com o fim da União Soviética e a queda do Leste Europeu, poder-se-ia supor que o jornal “O Globo” e os “EUA” esqueceriam de perseguir a ilha do Caribe. Mas ocorreu o oposto, procurou-se levar o embargo às últimas consequências. Em complemento à lei Helms-Burton, de 1996, dois planos, um anunciado pela Casa Branca em 20 de maio de 2004, e outro, em 10 de julho de 2006, acirram o bloqueio econômico. O último deles disponibilizou oitenta milhões de dólares para financiar a dissidência interna e a propaganda internacional contra Cuba. O documento designou até um coordenador para a transição e reconstrução de Cuba, um tal de Caleb McCarry. Mesmo em um dado momento vendo sumir tudo das prateleiras, para a maioria dos cubanos o ideal revolucionário prevaleceu. Embora novos elementos tenham sido forçosamente introduzidos, gerando desigualdades, o espírito de solidariedade e união foi essencial para que o país não mergulhasse numa crise de fome ao longo da década de 90. Um passeio pela história cubana ajuda a entender a força do povo num momento tão difícil.
A revolução de 59 ficou intrinsecamente vinculada à independência nacional. As lutas remontam a Céspedes, líder da guerra dos 10 anos, na qual um dos acontecimentos mais marcantes foi o incêndio de Bayamo, em 1869. Quando os bayameses perceberam a inevitável vitória dos espanhóis, decidiram incendiar a cidade. Este episódio emblemático caracterizou Bayamo como o berço da nacionalidade cubana, e deu o primeiro recado ao mundo sobre as dificuldades de subjugar o país. A segunda guerra de independência, que tinha em vista tanto a independência em relação à Espanha como a não anexação aos EUA, foi liderada intelectualmente pelo poeta José
Martí . O chamado “apóstolo de Cuba” consagrou-se como um pensador humanista, indicando rumos e valores para o processo revolucionário cubano. Morreu em combate no ano de 1895.
Quando, em 1898, Cuba estava a ponto de conquistar a independência da Espanha, um navio norte-americano foi incendiado na baía de Havana. O governo estadunidense responsabilizou a Espanha, e usou o pretexto para ocupar Cuba. Em seguida, veio a emenda Platt, que facultava aos EUA a possibilidade de intervir nos assuntos internos cubanos. Um último resquício da emenda sobrevive até os dias de hoje: a base militar de Guantânamo.
Na primeira metade do século XX muitas terras cubanas foram compradas praticamente de graça pelos norte-americanos. Um detalhe curioso assinalado na Ley Helms-Burton, citada anteriormente, é que um dos requisitos para a retirada total do bloqueio, após a suposta vitória contra-revolucionária, seria o “registro de progressos palpáveis no processo de devolução das propriedades” dos antigos exploradores.
Apesar da resistência local, liderada por jovens como Julio Antonio de Mella(1903-1929), o fundador do partido comunista cubano, que foi assassinado em 1929, a ditadura de Machado, iniciada em 1925, ainda arrastou-se até 1933. Instalou-se, após sua derrubada, o governo revolucionário de Ramón Grau San Martin, que por sua vez, foi destituído em pouco tempo. O domínio estadunidense prevaleceu e nos anos 50, Cuba era conhecida como o bordel dos Estados Unidos. Em 52, um golpe de Fulgêncio Batista frustrou a esperança de eleições democráticas. Em 1953, no centenário do nascimento de Martí, ocorreu a famoso assalto ao quartel de Moncada, que visava à obtenção de armas para uma revolução de cunho martiniano. O ataque realizado em 26 de julho fracassou, e dezenas de jovens foram barbaramente torturados até a morte, sem que nenhum deles mencionasse o comandante da operação. Fidel teve a sorte de ser capturado pelo humanitário tenente Sarria, que o conduziu com vida ao cárcere. O bispo D.Pérez reclamou aos funcionários da ditadura Batista que não o executassem na cadeia e que fosse submetido a julgamento justo. A derrota militar converteu-se em uma vitória política imortalizada no afamado discurso: “A história me absolverá”, proferido por Fidel em sua autodefesa. Condenado, é anistiado após cumprir dois anos de prisão. Exilado no México, aproveita para planejar, com outros revolucionários, entre eles, Che Guevara, uma nova tentativa de revolução, que vem a triunfar em 1959.
Atos marcantes, como a Reforma Agrária, a Campanha de alfabetização, e o investimento maciço em saúde e educação, que transformaram-se em bandeiras nacionais, foram levados a frente graças ao apoio e a participação popular.
Em Cuba, há diversas formas de organização popular, como as associações de trabalhadores, e os “CDR” (comandos de defesa da revolução), encontrados em quase todo quarteirão, e nos quais qualquer jovem, a partir dos quatorze anos, pode fazer parte.
Em relação ao sistema eleitoral, a cada dois anos e meio ocorrem eleições gerais. A organização se dá em três níveis: municipal, provincial (que equipara-se ao nosso nível estadual) e nacional. Para a Assembléia Municipal, de caráter altamente local, os delegados, que não precisam ser do partido comunista, são eleitos por voto direto em assembléias populares. Metade dos representantes da Assembléia provincial são eleitos com voto direto em pleito específico, e a outra metade é oriunda dos delegados da Assembléia Municipal. Há também a assembléia Nacional, de caráter legislativo. Os membros do Conselho de Estado, órgão executivo máximo, são eleitos indiretamente pela Assembléia Nacional. Raul é o atual presidente do Conselho de Estado.
Cuba tem sido criticada por não ser “democrática”. A rede Globo nitidamente adota dois pesos e duas medidas. Em virtude da greve de fome deflagrada em primeiro de março de 1981, onze militantes de movimentos pela libertação da Irlanda do Norte, sob o governo de Margareth Thatcher, morreram no curso de sessenta e um dias. Nem por isso, o jornal “O Globo” questionou a democracia britânica. Na base militar norte-americana de Guantânamo, instalada em solo cubano desde 1903, há centenas de presos sem processos, submetidos a torturas e condições ultrajantes, mas “O Globo” considera os Estados Unidos democráticos. Aqui no Brasil pessoas são mortas na cadeia, diariamente acontecem execuções sumárias, muitas delas pelas forças do Estado, mas não ocorre à rede globo afirmar que o Brasil é anti-democrático. Lembremos que aqui cinco fiscais do trabalho foram assassinados em 2004, quando investigavam o trabalho escravo, e os irmãos Norberto e Antério Mânica, grandes produtores de grãos, acusados de serem os mandantes da chacina, não passaram nem sequer um dia na cadeia. Isso não “choca o mundo”, e seguimos sem honrar nem mesmo a Abolição da Escravatura.
O povo cubano adquiriu poder suficiente para realizar conquistas importantes. A mortalidade infantil na pequena ilha é a menor da América Latina e a população tem atendimento médico de excelente qualidade. Para infelicidade dos direitistas de plantão, o desejo dos EUA., expresso em documentos da CIA, de levar fome e desespero aos cubanos, com o intuito de persuadi-los a desistir da revolução, não se concretizou. Apesar do forte embargo que envolve remédios e alimentos, o povo cubano tem mostrado sua solidariedade mundo afora. Não podemos esquecer a nobre ajuda aos angolanos, agredidos pelo governo racista Sul-Africano, com desdobramentos que favoreceram o fim do Apartheid, como ilustra o filme: “Cuba: uma odisséia africana”. Há médicos cubanos espalhados em países pobres, inclusive no Haiti. A lógica do pequeno país não é dividir o que se sobra, mas compartilhar o que se tem.
Os slogans espalhados pela ilha : “Aqui no se riende nadie” (Aqui ninguém se rende) , “Aqui no hay amos” , reiteram o memorável recado de Bayamo. Trata-se de uma gente muito musical, e os versos da canção: “Comandante Che Guevara”, muito popular em Cuba, dão uma dica sobre as relações do povo com as lideranças revolucionárias: “Seguiremos adelante, como junto a ti seguimos, y con Fidel te decimos: Hasta siempre, Comandante!"
Maria de Fátima L. B. de P. Almeida
Maurício Del Giudice
Abel Garcia Lozano
Lúcia Maria dos Santos Pinto
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